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sexta-feira, 30 de março de 2012
Mulheres torturadas, desaparecidas e mortas pela ditadura brasileira - Parte 2
SÔNIA MARIA DE MORAES ANGEL JONES (1946-1973)
Sônia Maria era gaúcha de Santiago do Boqueirão e filha de um oficial do Exército. Morava no Rio de Janeiro e trabalhava como professora de português quando se casou com Stuart Edgar Angel Jones, militante do MR-8 – mais tarde, morto sob torturas e procurado incansavelmente pela mãe, a estilista Zuzu Angel, também morta por ação de agentes do poder público. Em 1o de maio de 1969, Sônia foi presa quando participava de manifestação de rua na praça Tiradentes. Foi levada para o Dops e, posteriormente, para o presídio feminino São Judas Tadeu, sendo libertada apenas em 6 de agosto daquele ano. Visada pelos órgãos de segurança depois desse episódio, teve de se manter na clandestinidade. Em maio de 1970, exilou-se na França, onde passou a estudar na Universidade de Vincennes. Para se sustentar, lecionava português na escola de línguas Berlitz, em Paris. Ao saber da prisão e desaparecimento de Stuart, Sônia decidiu voltar ao Brasil e retomar a luta de resistência. Ingressou então na ALN e morou algum tempo no Chile, onde trabalhou como fotógrafa. Posteriormente, em maio de 1973, retornou clandestinamente ao Brasil, estabelecendo-se em São Paulo e depois em São Vicente, onde passou a viver com Antônio Carlos Bicalho Lana. Presos em novembro do mesmo ano, os dois militantes foram torturados até a morte e enterrados como indigentes no cemitério Dom Bosco, em Perus, na capital paulista. Em 15 de novembro de 1973, Sônia e Lana alugaram um apartamento em São Vicente, litoral de São Paulo. O local passou a ser vigiado por agentes dos órgãos de segurança, que informaram aos funcionários do condomínio que ali moravam “dois terroristas muito perigosos”. A data exata da prisão nunca foi estabelecida, mas sabe-se que era de manhã quando Antônio Carlos e Sônia pegaram o ônibus da Empresa Zefir com destino a São Paulo. Vários agentes já estavam dentro do coletivo. Simultaneamente, nas imediações da agência de passagens do Canal 1, em São Vicente, encontravam-se outros policiais à espera de que os dois descessem para comprar os bilhetes, que não eram vendidos no próprio ônibus. Quando lá chegaram, apenas Lana desceu do ônibus. Cinco agentes esperavam dentro da agência e outros chegaram em vários carros. No guichê, o militante entrou em luta corporal com os policiais, mas foi dominado a socos e pontapés, levando uma coronhada de fuzil na boca. Sônia, ao levantar-se do banco, foi agarrada e levou um pontapé nas costas. Saiu do ônibus algemada pelos pés e foi colocada em um Opala, enquanto Lana foi empurrado para outro carro. Há duas versões para a morte da militante. A primeira, do primo de seu pai, o coronel Canrobert Lopes da Costa, ex-comandante do DOICodi de Brasília e amigo pessoal do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante do DOI-Codi de São Paulo: “Depois de presa, do DOI-Codi/SP foi mandada para o DOI-Codi/RJ, onde foi torturada, estuprada com um cassetete e mandada de volta a São Paulo, já exangue, onde recebeu dois tiros”. A segunda, do ex-sargento Marival Dias Chaves do Canto, do DOI-Codi/SP, em entrevista concedida à revista Veja, em 18 de novembro de 1992: Antônio Carlos e Sônia foram presos no Canal 1, em Santos, onde não houve qualquer tiroteio, nem ao menos um tiro, “apenas” a violência dos agentes de segurança que conseguiram imobilizar o casal aos socos, pontapés e coronhadas. [...] Eles foram torturados e assassinados com tiros no tórax, cabeça e ouvido. [...] Foram levados para uma casa de tortura, na zona sul de São Paulo, onde ficaram de cinco a dez dias até a morte, em 30 de novembro. Depois disso, seus corpos foram colocados na porta do DOI-Codi, para servir de exemplo, antes da montagem do teatrinho. Ao tomar conhecimento da morte da fi lha pelos jornais, os pais de Sônia foram para São Vicente. No apartamento, encontraram cinco agentes dos órgãos de segurança. O pai da militante foi esbofeteado e ameaçado de ser jogado do terceiro andar do prédio. Identificou-se como tenente-coronel e conseguiu ser libertado, com a promessa de permanecer em São Paulo, à disposição do II Exército. João Moraes guardava o presente como uma relíquia, achando que a crueldade dos porões do regime militar chegara ao ponto de ser aquele o instrumento que matara a filha. Depois de muito relutar em acreditar que Sônia não fora morta no tiroteio informado pelos militares, João Moraes tornou-se uma liderança entre os familiares de mortos e desaparecidos políticos. Foi presidente do Grupo Tortura Nunca Mais/RJ, enquanto sua esposa, Cléa, foi secretária da mesma entidade por muitos anos. Antes de morrer, ele publicou o livro O calvário de Sônia: uma história de terror nos porões da ditadura, que registra a história da vida e morte de sua fi lha, bem como a dolorosa peregrinação que ele e sua esposa realizaram na busca do corpo e do esclarecimento completo de sua morte sob torturas. Em 19 de setembro de 1992, na gestão de Luiza Erundina como prefeita de São Paulo, foi inaugurado o complexo viário João Dias – nas proximidades da praça Alceu Amoroso Lima e da marginal do rio Pinheiros –, formado por três grandes viadutos. Um deles foi batizado com o nome de Sônia Maria de Moraes Angel Jones.
RANÚSIA ALVES RODRIGUES (1945-1973)
Ranúsia e outros três militantes do PCBR (Almir Custódio de Lima, Ramires Maranhão do Valle e Vitorino Alves Moitinho) foram mortos pelos órgãos de segurança do regime militar em 27 de outubro de 1973, no Rio de Janeiro. A cena para a legalização das execuções foi montada na praça Sentinela, em Jacarepaguá. Ramires, Almir e Vitorino aparecem totalmente carbonizados dentro de um Volkswagen, enquanto o corpo de Ranúsia jaz baleado, embora não queimado. Os documentos oficiais dos arquivos dos Ministérios do Exército, Marinha e Aeronáutica mostram versões desencontradas de tal acontecimento. Alguns fatos só começaram a ser esclarecidos com a abertura dos arquivos secretos do Dops, no Rio de Janeiro, São Paulo e Pernambuco. No livro Dos fi lhos deste solo, Nilmário Miranda e Carlos Tibúrcio assim registraram o episódio: Chovia na noite de 27 de outubro de 1973, um sábado. Alguns poucos casais escondiam-se da chuva junto do muro do Colégio de Jacarepaguá, no Rio. Por volta das 22 horas, um homem desceu de um Opala e avisou: “Afastem-se porque a barra vai pesar”. O repórter de Veja (7/11/1973) localizou alguém que testemunhou o significado desse aviso: “Não ouvimos um gemido, só os tiros, o estrondo e a correria dos carros”. [...] Vindos de todas as ruas que levam à praça, oito ou nove carros foram chegando, cercando um fusca vermelho de placa AA 6960 e despejando tiros. Depois jogaram uma bomba dentro do carro. No final, havia uma mulher morta com quatro tiros no rosto e peito e três homens carbonizados. Essa mulher era Ranúsia Alves Rodrigues, pernambucana de Garanhuns e estudante de Enfermagem da Universidade Federal de Pernambuco. Já havia sido presa uma vez, em Ibiúna (SP), em 1968, quando participava do 30o Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE). Em consequência disso, foi expulsa da universidade pelo Decreto 477, no ano seguinte. Vivendo na clandestinidade como militante do PCBR, Ranúsia teve uma filha, chamada Vanúsia. Em outubro de 1972, passou a atuar no Rio de Janeiro. Documentos dos órgãos de segurança do regime militar sustentavam que, em 25 de fevereiro de 1973, ela teria participado da execução do delegado Octávio Gonçalves Moreira Júnior, do DOICodi/ SP, em Copacabana. O relatório fala, ainda, de farta documentação encontrada com ela, e menciona a morte dos quatro militantes, dando-lhes os nomes completos. A versão divulgada pelo Dops é que os militantes do PCBR perceberam a presença de “elementos suspeitos” e tentaram fugir, acionando suas armas. Como o carro teria começado a pegar fogo, não foi possível retirar as pessoas que estavam dentro. Laudo e fotos da perícia no local mostram Ranúsia morta perto do carro, tendo, ao fundo, um Volkswagen incendiado, onde estavam carbonizados Ramires, Vitorino e Almir. No entanto, a investigação sobre o caso realizada pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) considerou que a versão oficial não se sustentava após o exame das provas anexadas ao processo.
MARIA AUGUSTA THOMAZ (1947-1973)
Em maio de 1973, os militantes do Molipo Maria Augusta Thomaz e Márcio Beck Machado foram mortos no sul de Goiás, na fazenda Rio Doce, entre Rio Verde e Jataí, a 240 km de Goiânia. Maria Augusta tinha sido estudante da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Sedes Sapientiae, em São Paulo. Em 1968, foi indiciada em inquérito por sua participação no 30o Congresso da UNE, realizado em Ibiúna (SP). Após a morte de seu namorado, José Wilson Lessa Sabag, em setembro de 1969, ela teve de passar para a clandestinidade. Em seguida, foi identificada como participante do sequestro de um avião da Varig, em 4 de novembro do mesmo ano, desviado para Cuba durante a rota Buenos Aires-Santiago. Em Cuba, depois de receber treinamento militar, alinhou-se ao grupo dissidente da ALN que ficou conhecido como Grupo dos 28, depois Molipo, e foi uma das primeiras integrantes dessa organização a retornar ao Brasil, no início de 1971. Embora um documento dos órgãos de segurança, encaminhado em 1978 ao delegado Romeu Tuma, diretor do Dops, registrasse claramente a informação sobre as mortes de Márcio e Maria Augusta, as autoridades do regime ditatorial jamais comunicaram tal fato aos familiares. No Boletim Informativo do Ministério do Exército datado de janeiro de 1976, os nomes dos dois foram retirados da lista de procurados por serem considerados mortos.
ANATÁLIA DE SOUZA MELO ALVES (1945-1973)
Anatália de Souza Melo Alves concluiu o científi co no colégio estadual de Mossoró (RN), cidade onde residiu até novembro de 1968, quando se casou com Luiz Alves Neto. Até essa época, havia trabalhado na Cooperativa de Consumo Popular e morado num conjunto populardo Fundo de Apoio à População de Sub-Habitação Urbana (Fundap). Militantes do PCBR, Anatália e Luiz mudaram-se para o Recife após a decretação do AI-5, quando passaram a desenvolver trabalho político com os trabalhadores rurais da Zona da Mata de Pernambuco.Viveram também em Campina Grande (PB), Palmeira dos Índios (AL) e Gravatá (PE), onde foram localizados por agentes do DOI-Codi. Segundo informação policial, às 17h20 do dia 22 de janeiro de 1973, enquanto tomava banho sob a vigilância do agente policial Artur Falcão Dizeu, Anatália teria ateado fogo ao corpo e se suicidado com uma tira de couro. Entretanto, pelo que pode ser constatado nas fotos do laudo do Instituto de Polícia Técnica (IPT) de Pernambuco, Anatália colocou fogo apenas em seus órgãos genitais. No livro Dos filhos deste solo, Nilmário Miranda e Carlos Tibúrcio escrevem: “A versão de suicídio não convenceu os presos políticos da época. As queimaduras, inexplicadas, levaram-nos à suspeita de que Anatália teria sido vítima de violências sexuais, quando se encontrava psicologicamente abalada pelas torturas e pelo clima de terror nos cárceres de Pernambuco. Sua morte e as queimaduras na região pubiana seriam uma forma de impedir que ela denunciasse os responsáveis pelas sevícias”.
PAULINE PHILIPE REICHSTUL (1947-1973)
Filha de judeus poloneses, Pauline Reichstul nasceu em Praga (na então Tchecoslováquia), em 1947. Seus pais eram sobreviventes da Segunda Guerra e casaram-se depois de encerrado o conflito. Quando a menina tinha dezoito meses, a família mudou-se para Paris, onde viveu até 1955, voltando então a imigrar, agora para o Brasil. Com 8 anos de idade, Pauline foi estudar no Liceu Pasteur, em São Paulo. Viveu também em Israel, por um ano e meio, onde trabalhou e estudou. Depois de curtos períodos na Dinamarca e na França, fixou residência na Suíça, em 1966, primeiramente em Lausanne e depois em Genebra. Em 1970, Pauline completou o curso de Psicologia na Universidade de Genebra. Nesse período, passou a ter contatos com movimentos de estudantes brasileiros de resistência ao regime militar. Assim, passou a trabalhar com vários órgãos de divulgação na Europa, denunciando as violações de direitos humanos no Brasil, especialmente as torturas e mortes de militantes. Foi esposa de Ladislau Dowbor, dirigente da VPR banido do país em junho de 1970 em virtude do sequestro do embaixador alemão no Brasil. Pauline e mais cinco companheiros da VPR foram mortos no Massacre da Chácara São Bento, ocorrido entre 7 e 9 de janeiro de 1973 em Paulista (hoje, Abreu e Lima), na grande Recife. A versão do regime militar era de que as mortes teriam ocorrido em consequência de um tiroteio. No entanto, a investigação sobre o caso na Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) reuniu provas de que, na realidade, os militantes da VPR foram detidos em lugares distintos e, posteriormente, torturados.
SOLEDAD BARRETT VIEDMA (1945-1973)
Nascida no Paraguai e tida como mulher de rara beleza, Soledad era neta de um importante escritor, jornalista e intelectual paraguaio, nascido na Espanha: Rafael Barrett. Tanto o pai quanto o avô foram perseguidos por suas ideias políticas. Assim, quando Soledad tinha apenas três meses de idade, a família fugiu para a Argentina, onde viveu cinco anos; em quatro dos quais o pai esteve preso ou foi perseguido, tanto pela polícia paraguaia quanto pela argentina. No Uruguai, de acordo com sua irmã Namy Barrett, Soledad foi raptada em julho de 1962, aos 17 anos, por um grupo neonazista, que a colocou em um automóvel e, sob ameaças, quis obrigá-la a gritar palavras de ordem contrárias às suas ideias. Por ter se negado, os raptores gravaram em sua carne, com uma navalha, a cruz gamada, símbolo do nazismo. Começou assim um ciclo de perseguições e prisões mostrando que, para a polícia uruguaia, Soledad passou de vítima a culpada. Ela decidiu deixar o país e seguiu para Cuba, onde conheceu o exilado brasileiro José Maria Ferreira de Araújo – militante da VPR conhecido como Arariboia ou Ariboia, desaparecido no Brasil em 1970 –, com quem se casou e teve uma filha, Nasaindy de Araújo Barrett. No Brasil, onde passou a militar pela mesma organização, Soledad foi morta, juntamente com mais seis companheiros, no chamado Massacre da Chácara São Bento, ocorrido entre 7 e 9 de janeiro de 1973 em Paulista, na grande Recife.
LOURDES MARIA WANDERLEY PONTES (1943-1972)
Em 17 de janeiro de 1973, os órgãos de segurança do regime militar tornaram públicas as mortes de seis militantes do PCBR (Lourdes, Fernando Augusto da Fonseca, Getúlio de Oliveira Cabral, José Bartolomeu Rodrigues de Souza, José Silton Pinheiro e Valdir Sales Saboia), ocorridas, segundo a nota oficial, em 29 de dezembro do ano anterior, no Rio de Janeiro, em função de tiroteios. Na verdade, todos foram mortos depois de presos. Lourdes Maria era pernambucana de Olinda. Fez o primário e o ginásio no Recife, mas não chegou a concluir os estudos em razão de sua militância política a partir de 1968. Em 1969, casou-se com Paulo Pontes da Silva, com quem se mudou para Natal (RN), fugindo da repressão política. Novamente perseguido, o casal transferiu-se, em fevereiro de 1970, para Salvador (BA). No entanto, no mesmo ano, Paulo foi preso e, posteriormente, condenado à prisão perpétua, por coautoria no assassinato de um sargento da Aeronáutica que o conduzia algemado. Após a prisão do marido, Lourdes foi deslocada para a militância clandestina no Rio de Janeiro. A versão sobre as seis mortes, divulgada pelo serviço de Relações Públicas do I Exército sob o título “Destruído o grupo de fogo terrorista do PCBR/GB”, informava que, em ações simultâneas em pontos diferentes do estado da Guanabara, teriam morrido os seis militantes, um fi cara ferido, outro escapara ao ser perseguido e dois teriam sido presos. A verdade completa dos fatos ainda não foi recuperada, mas ficou comprovado o teatro montado para a falsa versão oficial, constatada nos próprios documentos oficiais localizados no Instituto Médico Legal (IML) e no Instituto Carlos Éboli, que realizou as perícias de local. Para cada uma das vítimas do massacre foi dada uma versão, mas os corpos dos seis militantes deram entrada no IML às 2h30 do dia 30 de dezembro. Supondo verdadeira a versão ofi cial, o lógico seria que dessem entrada em horários distintos, já que teriam morrido em locais distantes e em horários diferentes. O bairro do Grajaú é muito distante de Bento Ribeiro, mas próximo da sede do DOI-Codi, na rua Barão de Mesquita. As guias de encaminhamento dos corpos são sequenciais: Lourdes Maria, no 8; Fernando Augusto, no 9; Valdir, no 10; Getúlio, no 11; José Silton, no 12; e José Bartolomeu, no 13. Todos entraram como desconhecidos, mesmo Fernando Augusto, que oficialmente estava preso desde o dia 26. A própria sequência já demonstra que os corpos não foram levados diretamente do local da morte para o IML. Em Bento Ribeiro, teria havido violento tiroteio. Segundo a versão oficial, os militantes teriam usado até granadas de mão. No entanto, as fotos da perícia técnica desmentem tais informações: o corpo de Lourdes Maria está encostado na parede, num canto da sala, encolhido atrás de um vaso de planta que fora usada como árvore de Natal, com as bolas de vidrilho intactas. Não há nenhuma marca de tiros nas paredes. Lourdes recebeu, dentre outros, três tiros sequenciais no tórax, característicos de execução, e um no pulso direito, característico de ferimento decorrente de uma posição de defesa. Em algumas fotos, Lourdes aparece usando relógio de pulso e, em outras, no mesmo local, o relógio já não aparece. Apesar de tantos tiros, não são vistas poças de sangue ao seu redor.
AURORA MARIA NASCIMENTO FURTADO (1946-1972)
Estudante de Psicologia na Universidade de São Paulo, Aurora havia sido responsável pelo setor de imprensa da União Estadual dos Estudantes de São Paulo, em 1968. Nesse período, era conhecida como Lola e namorava José Roberto Arantes de Almeida, dirigente da União Nacional dos Estudantes (UNE), que seria morto em São Paulo, em 1971, quando militava no Movimento de Libertação Popular (Molipo). Foi também funcionária do Banco do Brasil, na agência Brás, capital paulista. Foi presa em 9 de novembro de 1972, em Parada de Lucas, depois de ser detida numa blitz policial realizada pelo 2o Setor de Vigilância Norte. Nessa época, era uma das pessoas mais procuradas da ALN no Rio de Janeiro. Tentando romper o cerco, teria matado um policial. Após correr alguns metros, foi aprisionada viva, dentro de um ônibus onde havia se refugiado, e conduzida imediatamente para a delegacia de Invernada de Olaria. Aurora foi submetida a pau de arara, sessões de choques elétricos, espancamentos, afogamentos e queimaduras. Aplicaram-lhe também a coroa de cristo”, fita de aço que vai sendo apertada gradativamente e aos poucos esmaga o crânio. Morreu no dia seguinte. Entretanto, seu corpo, crivado de balas, foi jogado na esquina das ruas Adriano e Magalhães Couto, no bairro do Méier. A versão oficial divulgada foi de que ela teria sido morta a tiros durante tentativa de fuga.
ESMERALDINA CARVALHO CUNHA (1922-1972)
Esmeraldina Carvalho Cunha foi encontrada morta na sala de sua casa, em Salvador, em 20 de outubro de 1972, aos 49 anos. Seu corpo estava pendurado num fio de máquina elétrica. Esmeraldina fora casada com Tibúrcio Alves Cunha Filho, com quem teve cinco fi lhas. A mais nova, Nilda Carvalho Cunha, havia morrido um ano antes, em 14 de novembro de 1971, após dois meses de prisão e torturas em Salvador. Outra filha, Leônia, foi militante do PCB e da Polop. Lúcia também chegou a ser presa, mas foi logo solta. A mais velha, Lourdes, foi cruelmente assediada durante muito tempo por agentes do Exército, o que lhe causou sérios problemas emocionais e comportamentais. Esmeraldina, mãe exemplar, separada do marido, lutava pela vida de suas filhas militantes. A dor pela morte de sua caçula, Nilda, a transtornou. Mas seu suposto suicídio sempre foi questionado pela família. Sua filha mais nova fora presa na madrugada de 20 de agosto de 1972. Assim que soube da prisão de Nilda, Esmeraldina revirou a Bahia. Procurou os comandantes militares, o juiz de menores, advogados, tentou romper a incomunicabilidade imposta pelo regime. Só conseguiu ver a filha tempos depois, na Base Aérea de Salvador, quando a encontrou em estado lastimável, em consequência das torturas. Esmeraldina enfrentou, por duas vezes, o major Nilton de Albuquerque Cerqueira, um dos carcereiros da filha. Na primeira vez, o major tentou impor como condição para a soltura de Nilda que a mãe voltasse a viver com o ex-marido, fato que não se concretizou e quase impediu a liberdade da filha. Na segunda vez, o major esteve no quarto de hospital em que Nilda, já em liberdade, estava internada para tratamento. Sua presença e as ameaças de fazê-la retornar à prisão agravaram o estado de Nilda, que morreu dias depois, em circunstâncias nunca esclarecidas. “Ela não se conformava com a morte da fi lha, chorava, andava pelas ruas da cidade, delirava e gritava: – Eles mataram minha filha, uma criança! Eles mataram minha filha. São assassinos, do Exército, do governo. O relatório da CEMDP constata que a angústia e o desespero pela morte da fi lha deixaram Esmeraldina inconsolável. Destaca, ainda, o relato da filha Leônia de que a mãe, um dia antes de morrer, comprara móveis novos para a casa e, ao encontrá-la dependurada, pudera ver que havia marcas de sangue no chão, sua face não estava arroxeada, sua língua não estava para fora, não houvera deslocamento da carótida e mal trazia marca do fi o no pescoço. A CEMDP considerou que a morte de Esmeraldina Carvalho Cunha se deu em consequência de seus atos públicos contrários aos interesses da época, resultantes de seu inconformismo e de seu conhecimento das atrocidades praticadas por agentes do poder público.
ANA MARIA NACINOVIC CORRÊA (1947-1972)
Enquanto os militantes da ALN Ana Maria Nacinovic Corrêa, Iuri Xavier Pereira, Marcos Nonato da Fonseca e Antônio Carlos Bicalho Lana almoçavam no restaurante Varella, no bairro da Mooca, em São Paulo, em 14 de junho de 1972, o proprietário do estabelecimento, Manoel Henrique de Oliveira, telefonou para a polícia avisando da presença em seu restaurante de algumas pessoas cujas fotos estavam nos cartazes de terroristas procurados. Rapidamente, os agentes do DOI-Codi montaram emboscada em torno do local, mobilizando grande contingente policial. Como resultado da operação, morreram Ana Maria, Iuri e Marcos Nonato. Antônio Carlos Bicalho Lana, mesmo ferido, conseguiu escapar e relatou o ocorrido a seus companheiros. Ana Maria cursou o primário, ginásio e científico no Colégio São Paulo, mantido por freiras em Ipanema, no Rio de Janeiro. Terminou o científico com 17 anos e sua inclinação para a matemática levou-a a frequentar um curso pré-vestibular para Engenharia, plano que abandonou em função de seu casamento. Ligou-se à ALN no Rio de Janeiro, mas foi deslocada para o comando regional da organização em São Paulo, onde participou de inúmeras ações armadas entre 1971 e 1972. Ana Maria havia sido a única sobrevivente da emboscada armada pelo DOI-Codi/SP em setembro de 1971, na rua João Moura, em São Paulo, na qual um comando da ALN caiu. Somente a partir da abertura dos arquivos do Dops/SP começaram a surgir elementos que colocaram em dúvida a versão de que Ana Maria, Iuri e Marcos teriam morrido em tiroteio. Não foi possível reconstituir toda a verdade dos fatos, mas as mortes certamente não ocorreram no local, conforme a narrativa oficial. O depoimento de uma testemunha, documentos oficiais localizados e perícias realizadas nos restos mortais dos militantes derrubaram tal hipótese. A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) apurou que os três militantes não foram levados diretamente para o Instituto Médico Legal (IML), e sim à 36a DP, na rua Tutoia, sede do DOI-Codi/SP, em cujo pátio foram vistos pelo preso político Francisco Carlos de Andrade. Francisco não conhecia Marcos Nonato, mas reconheceu os corpos de Ana Maria e Iuri.
Lígia e Maria Regina foram assassinadas em 29 de março de 1972 no episódio conhecido como “Chacina de Quintino”, juntamente com outros dois militantes da VAR-Palmares: Antônio Marcos Pinto de Oliveira e Wilton Ferreira. Até hoje, as circunstâncias dessas mortes não foram esclarecidas. A versão dos órgãos de segurança só foi divulgada uma semana depois, em 6 de abril. As manchetes dos jornais informavam que nove militantes teriam se entrincheirado na casa 72, na avenida Suburbana, no 8.695, no bairro de Quintino, no Rio de Janeiro. Em tiroteio com a polícia, três deles teriam morrido no local (Antônio Marcos, Lígia Maria e Maria Regina), enquanto os demais teriam conseguido fugir. Segundo o “Livro Negro” do Exército, essa residência seria o aparelho onde moravam James Allen da Luz, o principal dirigente da VAR naquele momento, e Lígia Maria. O número da casa também é informado em documentos oficiais como sendo 8.988. Lígia Maria, a terceira de seis irmãos, nasceu em Natal, no Rio Grande do Norte, mas viveu desde criança em São Paulo. Estudou no Colégio Estadual Fernão Dias, no bairro de Pinheiros, onde fez o curso normal. Em 1967, ingressou no curso de Pedagogia da USP, onde se destacou por sua capacidade intelectual, pela liderança no grêmio local e por buscar modernizar os métodos de ensino. Trabalhava também como professora. Em 1970, engajou-se nas atividades clandestinas da VAR-Palmares. Os órgãos de segurança a indicavam como participante da execução de um marinheiro inglês, David Cuthberg, em 5 de fevereiro de 1972, numa ação que pretendia simbolizar a solidariedade dos revolucionários brasileiros com a luta do povo irlandês e com o Exército Republicano Irlandês (IRA). Foi morta aos 24 anos, quando estava grávida de dois meses. Maria Regina nasceu no Rio de Janeiro, sendo a quinta dos seis filhos de um médico pesquisador do Fundação Oswaldo Cruz e de uma assistente social do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps). Fez o primário e o ginásio no Colégio Sacré-Coeur de Jésus e o científico nos colégios Resende e Aplicação, da Faculdade Nacional de Filosofia. Formou-se em Pedagogia em 1960 pela Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil (atual UFRJ). Foi integrante da Juventude Estudantil Católica (JEC) e da Juventude Universitária Católica (JUC) e desenvolveu longo trabalho como educadora na cidade de Morros, interior do Maranhão, por meio do Movimento de Educação de Base (MEB), apoiado pela Igreja Católica. Ali, permaneceu entre dois e três anos. Foi então transferida para Recife, onde conheceu Raimundo Gonçalves Figueiredo, com quem se casou em 1966. Na época, os dois eram militantes da AP. Juntos, trabalharam em um projeto da Fundação Nacional do Índio (Funai) para a educação de índios no Paraná. Após a morte de Raimundo, em 28 de abril de 1971, Maria Regina voltou ao Rio de Janeiro. O casal deixou duas filhas: Isabel e Iara, que tinham três e quatro anos quando a mãe foi morta, aos 33 anos. Consta no “Livro Negro” do Exército que Maria Regina era a responsável pelo setor de imprensa da Var-Palmares no Rio de Janeiro, que produzia o jornal União Operária. Maria Regina foi ferida na perna e, posteriormente, presa pelos agentes policiais. Sua família, ao receber o corpo, constatou que a perna estava inchada, o que indica que a militante não havia morrido naquele momento. A família de Lígia morava em São Paulo quando recebeu a visita de um agente policial que buscava informações sobre ela, pouco antes de ver anunciada sua morte em um noticiário na televisão. Lígia foi reconhecida no IML, em 7 de abril, pelo irmão Francisco, médico, que comprovou a presença em seu corpo de escoriações e manchas escuras nas costas e nas regiões laterais do corpo, além de marcas de tiros na cabeça e no braço.
MIRIAM LOPES VERBENA (1946-1972)
Miriam era casada com Luís Alberto Andrade de Sá e Benevides, dirigente nacional do PCBR. Depois das inúmeras prisões que atingiram a organização no Rio de Janeiro a partir de 1970, vários de seus integrantes foram deslocados para atuar no Nordeste, entre eles, Luís Alberto. Miriam, também militante do partido, era professora e, quando morreu, estava grávida de oito meses. As circunstâncias das mortes dos dois ainda seguem recobertas de mistério e dúvidas: acidente rodoviário ou assassinato? A versão oficial é de que faleceram em decorrência de um acidente de carro, conforme informações encontradas nos arquivos do Dops/PE. No entanto, um documento da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, elaborado por Iara Xavier Pereira após minuciosa pesquisa, revela que o acidente foi causado pela perseguição ao casal de militantes.
ÍSIS DIAS DE OLIVEIRA (1941-1972)
Ísis nasceu e cresceu em São Paulo. Iniciou os estudos no Grupo Estadual Pereira Barreto, fez o ginasial no Colégio Estadual Presidente Roosevelt e o curso clássico no Colégio Santa Marcelina. Estudou piano e fez curso de pintura e escultura na Fundação Álvares Penteado. Em 1965, iniciou o curso de Ciências Sociais na USP e passou a morar no Crusp, o conjunto residencial da universidade. Trabalhou no Cursinho do Grêmio da Faculdade de Filosofia e casou-se, em 1967, com José Luiz Del Royo, também integrante da ALN na fase de sua fundação e, em 2006, eleito senador na Itália. Ísis frequentou o curso de Ciências Sociais até o terceiro ano e, segundo informações dos órgãos de segurança, esteve em Cuba, onde participou de treinamento de guerrilha em 1969. Já separada de Del Royo, retornou clandestinamente ao Brasil e se estabeleceu no Rio de Janeiro a partir de meados de 1970. Em 30 de janeiro de 1972, Ísis, juntamente com Paulo César Botelho Massa, que residia na mesma casa que ela e também militava na ALN, foi presa pelo DOI-Codi/RJ. No dia 4 de fevereiro, Aurora Maria Nascimento Furtado, colega de Ísis na USP e na ALN, que também seria morta sob torturas dez meses depois, telefonou a Edmundo, pai de Ísis, avisando da prisão da amiga. “Ela corre perigo, tratem de localizá-la”, disse-lhe. E foi o que tentaram com persistência: impetraram cinco habeas corpus por meio da advogada Eny Raimundo Moreira, todos negados. Foram a todas as unidades do Exército, Marinha e Aeronáutica do Rio de Janeiro e de São Paulo, e onde mais imaginassem poder ter notícias de Ísis. Vasculharam os arquivos dos cemitérios do Rio de Janeiro, Caxias, Nilópolis, São João de Meriti, Nova Iguaçu e São Gonçalo. Sem falar das muitas cartas escritas com a letra miúda da mãe ao presidente da República, às autoridades civis e religiosas. Dezenas de pastas guardam os documentos da família na busca por Ísis. Em matéria do jornal Folha de S.Paulo, publicada em 28 de janeiro de 1979, um general de destacada posição dentro dos órgãos de repressão confirmou a morte de Ísis e de Paulo César, dentre outros dez desaparecidos. No arquivo do Dops/PR, em uma gaveta com a identificação “falecidos”, foi encontrada a ficha da militante da ALN. A única prova concreta obtida em todos esses anos de busca foi dada pelo ex-médico Amílcar Lobo, que servia ao DOI-Codi/RJ e reconheceu a foto de Ísis dentre os presos que lá atendeu, sem precisar a data, numa entrevista publicada pela IstoÉ em 8 de abril de 1987. Dona Felícia faleceu em 24 de fevereiro de 2010.
GASTONE LÚCIA DE CARVALHO BELTRÃO (1950-1972)
Alagoana de Coruripe, Gastone manifestou desde jovem preocupação com as desigualdades sociais. Ainda adolescente, visitava presos comuns, levando-lhes roupas e alimentos. Estudou nos colégios Imaculada Conceição e Moreira e Silva, em Maceió, e concluiu o segundo grau no Rio de Janeiro, Em 1968, de volta a Maceió, Gastone prestou vestibular para Economia na Universidade Federal de Alagoas, entrando em terceiro lugar. A partir de então, sua militância política se tornou mais efetiva, inicialmente na JUC (Juventude Estudantil Católica). Em 1969, já integrada à ALN, viajou para Cuba, onde recebeu treinamento militar. Foi localizada e executada em São Paulo pela equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury, quando tinha retornado ao Brasil havia menos de um mês. No entanto, a versão oficial, que prevaleceu durante muitos anos, indicava a morte de Gastone em tiroteio com a polícia. Por solicitação da CEMDP, o processo de Gastone foi submetido a exame pelo perito criminal Celso Nenevê. O perito se concentrou em duas lesões, uma na região cmamária e outra na região frontal. Ampliou a foto da ferida na região mamária 20 vezes. Abramovitc descrevera a lesão como resultante de “tangenciamento de projétil de arma de fogo”. Nenevê concluiu que, ao invés de tiro, tratava-se de uma lesão em fenda, produzida por faca ou objeto similar. As circunstâncias da morte não puderam ser restabelecidas com clareza até hoje, mas a CEMDP reconheceu, por decisão unânime, que Gastone Lúcia Carvalho Beltrão, cujo cadáver mostrava 34 lesões, na maioria tiros, mas também facada, marca de disparo à queima-roupa, fraturas, ferimentos e equimoses, não morrera no violento tiroteio alegado pelo Dops e pelos documentos ofi ciais, e sim depois de presa pelos agentes dos órgãos de segurança.
NILDA CARVALHO CUNHA (1954-1971)
Nilda Carvalho Cunha foi presa na madrugada de 19 para 20 de agosto de 1971, Foi levada para o Quartel do Barbalho e, depois, para a Base Aérea de Salvador. Sua prisão é confirmada no relatório da Operação Pajuçara, desencadeada para capturar ou eliminar o guerrilheiro Carlos Lamarca e seu grupo. Nilda foi liberada no início de novembro do mesmo ano, profundamente debilitada em consequência das torturas sofridas. Morreu em 14 de novembro, com sintomas de cegueira e asfixia. Ela tinha acabado de completar 17 anos quando foi presa. Fazia o curso secundário e trabalhava como bancária na época em que passou a militar no MR-8 e a viver com Jaileno Sampaio. Ela ouvia gritos dos torturados, do próprio Jaileno, seu companheiro, e se aterrorizava com aquela ameaça de violência num lugar deserto. Naquele mesmo dia vendaram-lhe os olhos e ela se viu numa sala diferente quando pôde abri-los. Bem junto dela estava um cadáver de mulher: era Iara, com uma mancha roxa no peito, e a obrigaram a tocar naquele corpo frio. No início de novembro, decidem libertá-la. Na saída, descendo as escadas, ela grita: – Minha mãe, me segure que estou ficando cega. Foi levada num táxi, chorando, sentindo-se sufocada, não conseguia respirar. Daí para a frente foi perdendo o equilíbrio: depressões constantes, cegueiras repentinas, às vezes um riso desesperado, o olhar perdido. Não dormia, tinha medo de morrer dormindo, chorava e desmaiava. – Eles me acabaram, repetia sempre [...].
IARA IAVELBERG (1944-1971)
Durante muito tempo, prevaleceu a versão de que Iara Iavelberg se matou, disparando contra o próprio coração, para evitar as torturas a que certamente seria submetida se fosse apanhada viva no apartamento da Pituba, em Salvador, em 20 de agosto de 1971, onde estava encurralada pelos órgãos de segurança do regime ditatorial, entre eles, agentes do DOI-Codi/RJ deslocados para aquele estado na perseguição final a Carlos Lamarca, morto no mês seguinte. No momento de sua morte, Iara Iavelberg era uma das pessoas mais procuradas pelos órgãos de repressão política em todo o país, na medida em que já era conhecida sua relação amorosa com Lamarca, inimigo número 1 do regime naquela época. Nascida em uma família judia estabelecida no bairro do Ipiranga, em São Paulo, Iara Iavelberg sempre foi tida como pessoa muito inteligente e precoce, tendo interesse por diversificadas áreas da vida cultural, além de ser valorizada pela sua beleza física. Foi militante da Política Operária (Polop), da VAR-Palmares e da VPR, tendo ingressado no MR-8 poucos meses antes de morrer. Na VPR, participou de treinamentos de guerrilha no Vale do Ribeira, interior de São Paulo. Na tradição judaica, os suicidas devem ser enterrados numa quadra específica do cemitério e com os pés – não a cabeça, como é usual – virados para a lápide. Apenas em 22 de setembro de 2003, encerrando treze anos de ações judiciais mantidas pelos familiares, com apoio do advogado e deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, o corpo de Iara foi finalmente exumado e retirado da ala dos suicidas do Cemitério Israelita de São Paulo. Importantes perguntas não encontraram ainda uma resposta definitiva: por que não foi realizada a perícia de local, com fotos da arma utilizada para o suicídio, nem exames papiloscópicos para comprovar o suicídio? Por que limparam o pequeno banheiro onde teria se suicidado tão procurada guerrilheira, antes de tirar as fotos com que se tenta demonstrar o local de suicídio? Por que o relatório detalhado do que aconteceu em Pituba nunca foi apresentado?
HELENY FERREIRA TELLES GUARIBA (1941-1971)
Paulista de Bebedouro, Heleny foi casada com Ulisses Telles Guariba, professor de história na USP, de quem tinha sido colega na Faculdade de Filosofia da mesma universidade. Tiveram dois filhos. Ela se especializou em cultura grega, trabalhou em teatro e deu aulas na Escola de Arte Dramática de São Paulo (EAD). Em 1965, Heleny recebeu uma bolsa de estudos do Consulado da França em São Paulo, especializando-se na Europa até 1967. Ao voltar ao Brasil foi contratada pela Prefeitura de Santo André para dirigir o grupo de teatro da cidade. Em março de 1970, foi presa pela primeira vez, em Poços de Caldas (MG), por sua militância na VPR. Heleny foi torturada na Operação Bandeirante (DOI-Codi/SP) pelos capitães Albernaz e Homero. Ficou internada no Hospital Militar dois dias, em razão de hemorragia provocada pelos espancamentos, até ser transferida para o Dops/SP e depois para o Presídio Tiradentes, onde foi assistida pelo advogado José Carlos Dias, que seria mais tarde presidente da Comissão Justiça e Paz de São Paulo e, posteriormente, ministro da Justiça. Solta em abril de 1971, a militante preparava-se para deixar o país quando, três meses depois, em 12 de julho, foi presa no Rio de Janeiro por agentes do DOI-Codi/RJ, juntamente com Paulo de Tarso Celestino da Silva, da ALN. Seus familiares e advogados fizeram buscas persistentes por todos os órgãos de segurança. Apesar do silêncio e da negativa sistemática das autoridades, as provas acerca da prisão e do desaparecimento dos dois militantes foram sendo coletadas. Inês Etienne Romeu, em seu relatório de prisão, testemunhou que, durante o período em que esteve sequestrada no sítio clandestino em Petrópolis (RJ), conhecido como “Casa da Morte”, ali estiveram, no mês de julho de 1971, dentre outros desaparecidos, Walter Ribeiro Novaes, Paulo de Tarso e uma moça, que acredita ser Heleny. Lá, ela foi torturada durante três dias, inclusive com choques elétricos na vagina.
MARILENA VILLAS BOAS PINTO (1948-1971)
Estudante do segundo ano de Psicologia da Universidade Santa Úrsula, no Rio de Janeiro (RJ), Marilena passou a viver na clandestinidade a partir de 1969. Juntamente com seu companheiro Mário de Souza Prata, ela foi presa e morta nos primeiros dias de abril de 1971, no Rio de Janeiro. Ambos eram integrantes do MR-8, com militância anterior na ALN. A versão ofi cial divulgada pelos órgãos de segurança registrava que, em 2 de abril, os dois teriam entrado em enfrentamento com agentes da Brigada de Paraquedistas do Exército, na rua Niquelândia, no 23, em Campo Grande. Mário teria morrido na hora, enquanto Marilena, ferida, teria falecido posteriormente. Segundo relatório de prisão feito por Inês Etienne Romeu em 1981, Marilena foi levada para um sítio clandestino em Petrópolis (RJ), que fi cou conhecido como “Casa da Morte”. Em abril de 1997, Inês confi rmou tal informação: “A pedido, confirmo integralmente o meu depoimento de próprio punho, sobre fatos ocorridos na casa em Petrópolis-RJ, onde fiquei presa de 8/5 a 11/8 de 1971. Esse depoimento é parte integrante do processo no MJ-7252/81 do CDDPH, do MJ. Nesse depoimento está registrado que o ‘dr. Pepe’ contou ainda que Marilena Villas Boas Pinto estivera naquela casa e que fora, como Carlos Alberto Soares de Freiras, condenada à morte e executada.
ALCERI MARIA GOMES DA SILVA (1943-1970)
Gaúcha e afrodescendente, Alceri trabalhava no escritório da fábrica Michelletto, em Canoas, onde começou a participar do movimento operário e fi liou-se ao Sindicato dos Metalúrgicos. Em setembro de 1969, visitou sua família em Cachoeira do Sul para informar que estava de mudança para São Paulo, engajada na luta contra o regime militar como integrante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). A família de Alceri viveu um verdadeiro processo de desestruturação após sua morte, que ocorreu juntamente com a de Antônio dos Três Reis de Oliveira, militante da ALN. O pai, desgostoso, morreu menos de um ano depois de saber, por um delegado de Canoas, que a filha fora morta em São Paulo. Uma de suas irmãs, Valmira, também militante política, não suportou a culpa que passou a sentir por ter permitido que a irmã saísse de sua casa. Suicidou-se ingerindo soda cáustica. Depoimento dos presos políticos de São Paulo denunciou o assassinato de Alceri e Antônio por agentes da Operação Bandeirante (Oban), chefiados pelo capitão Maurício Lopes Lima. Ambos foram enterrados no Cemitério da Vila Formosa e seus corpos nunca foram resgatados, apesar das tentativas feitas em 1991 pela Comissão de Investigação da Vala de Perus. As modifi cações na quadra do cemitério, realizadas em 1976, não deixaram registros do local para onde foram os corpos exumados. Alceri foi morta [...] com quatro tiros. De acordo com o laudo necroscópico assinado pelos legistas João Pagenotto e Paulo Augusto Queiroz Rocha, duas balas atingiram o braço e o peito, enquanto as outras duas penetraram pelas costas, alcançando a coluna.
CATARINA HELENA ABI-EÇAB (1947-1968)
Nascida na capital paulista, Catarina, militante da ALN, era casada, desde maio de 1968, com João Antônio Santos Abi-Eçab, também integrante da organização. Eles se conheceram quando estudavam filosofia na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. João era ativista estudantil. Morreram no dia 8 de novembro de 1968, na BR-116, altura da cidade de Vassouras (RJ). Durante três décadas, não havia sido possível contestar a versão oficial de que os dois teriam falecido em virtude de um acidente de carro. No veículo, teriam sido encontradas armas e grande quantidade de munição. Os legistas Pedro Saullo e Almir Fagundes de Souza estabeleceram como causa mortis “fratura de crânio com afundamento (acidente)”. A Comissão recebeu documentos dos órgãos de repressão sobre o caso, arquivados no Superior Tribunal Militar (STM), e cópia do processo instaurado pelo Estado do Rio de Janeiro, buscando coletar informações sobre as circunstâncias das mortes. No boletim de ocorrência que registrou o acidente, consta: “foi dado ciência à polícia às 20 horas de 8/11/68. Três policiais se dirigiram ao local, constatando que na altura do km 69 da BR-116, o VW 349884-SP, dirigido por seu proprietário João Antônio dos Santos Abi-Eçab, tendo como passageira sua esposa, Catarina Helena Xavier Pereira (nome de solteira), havia colidido com a traseira do caminhão de marca De Soto, placa 431152-RJ, dirigido por Geraldo Dias da Silva, que não foi encontrado. O casal de ocupantes do VW faleceu no local. Após os exames de praxe, os cadáveres foram encaminhados ao necrotério local”. Em abril de 2001, entretanto, denúncias feitas pelo repórter Caco Barcellos, veiculadas no Jornal Nacional, da TV Globo, derrubaram tal versão e mostraram que João e Catarina foram executados com tiros na cabeça. O jornalista entrevistou o ex-soldado do Exército Valdemar Martins de Oliveira, que relatou algumas missões atribuídas a ele pelo órgão militar de segurança – entre elas a infiltração em grupos de teatro –, e a prisão, tortura e execução de um casal de estudantes pelo chefe da operação militar. A suspeita era de participação desses jovens na execução do capitão do Exército norte-americano Charles Chandler
LABIBE ELIAS ABDUCH (1899-1964)
A sexagenária Labibe Elias Abduch era casada com Jorge Nicolau Abduch, com quem teve três fi lhos. Foi morta por um disparo de bala em 1o de abril de 1964, quando caminhava pela Cinelândia, no Rio de Janeiro, interessada em obter informações sobre o movimento militar no Rio Grande do Sul, onde se encontrava um filho seu. Narrando a cena e os fatos desse dia, a revista O Cruzeiro, em edição extra de 10 de abril do mesmo ano, traz o seguinte relato: “14 horas. É o sangue. A multidão tenta mais uma vez invadir e depredar o Clube Militar. Um carro da PM posta-se diante do Clube. O povo presente vaia os soldados. Mais tarde, choque do Exército [...] dispersam os agitadores, que voltam à recarga, pouco depois. Repelidos a bala, deixam em campo, feridos, vários manifestantes: entre eles Labib Carneiro Habibude [sic] e Ari de Oliveira Mendes Cunha, que morreram às 22 horas no pronto-socorro”.
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Desculpe, quero realmente, as vezes, me revoltar
ResponderExcluirrasgar minhas roupas, querer vingança.
Mas começo a ler, ver fotos em preto e branco.
MAS isto me traz uma tristeza enorme, sinto gosto de sal ,nas narinas.
Não consigo...entro em depressão.
Volto aos meus comprimidos de Paroxitina.
Desculpem...Gostaria tanto de ajudar...
Aceitem isto como uma grande homenagem.
Sinto um grande orgulho destas pessoas.
Grata, pelo comentário. Abs
ResponderExcluirfico imaginando as pessoas que torturavam e matavam em nome de um regime insano , quando elas se deparam com depoimentos das vitimas que sobreviveram e investigação sobre as que morreram será que essas pessoas conseguiam viver sem remorso?
ResponderExcluirpor outro lado sempre me faço essa pergunta,sera que para aqueles que foram torturados e mortos pelo regime militar,será que valeu a pena pois o regime so acabou quando os militares decidiram devolver o poder .aqueles que não se envolveram passaram pela ditadura e estão ilesos hoje em dia.
ResponderExcluirParabéns pela pesquisa Jô.
ResponderExcluirÉ triste, angustiante, desesperador. Ler esse post me dá um frio na espinha, uma sensação de que poderia ter sido comigo. É terrível, mas é preciso que seja dito, que seja lido, para que nunca se esqueça e para que nunca mais aconteça!
Acho que essas mulheres foram muito corajosas pra se entregarem à luta armada,mas elas sabiam de todo o perigo que as cercavam.cada um faz o que quer da vida!
ResponderExcluirUma raiva borbulha dentro de mim. Os algozes destas mulheres estão morrendo sem serem punidos. O tempo urge. Todo apoio à comissão da verdade.
ResponderExcluirQuando leio sobre a formação de cada uma, constato que eles só mataram estudantes, mentes pensantes, pessoas inteligente. Essa história de guerrilheira é tudo mentira, nenhuma mulher, ainda mais naquela época de submissão se envolveria em luta armada, isso foi mais um golpe do próprio estado e caracterizá-las como ''terroristas'', qdo na verdade só faziam o bem, tinha uma q era professora e lecionava para índios. Q raça desalmada, ignorante que temiam ''estudantes''? Ah já sei, pq o poder público como até hoje são um bando de analfabetos, que chegam ao cargo de forma ilícita então logo temiam estudiosos, ou seja, se refletirem, só deixavam os pobres analfabetos sem condições de formação vivos para que o mantivessem no poder. Estudante era uma ameaça iminente para esses eternos COVARDES!
ResponderExcluirCovardes mesmo, como diz Adriano Diogo marginais e velhos ignorantes fardados e assassinos, se esses caras algum dia voltarem ao poder a gente já tem idéia do que vai acontecer e ai temos que pegar em armas mesmo para nos defender a nós e o Brasil. Ditadura militar nunca mais.
ResponderExcluirAssassinos malditos, cruéis e corruptos. Espero que toda a crueldade praticada contra todas as vítimas da ditadura recais sobre esses canalhas, que paguem por cada tortura, por cada loucura e por cada morte que causaram.
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